Wednesday, December 14, 2005
O "ethos burocrático" resulta de um tipo de organização (e de forma de exercício do poder interno nela) que não é político, vale dizer, não admite o dissenso. (...) Note-se (...) que ela perfila muitos dos valores da sociedade em que se insere, mas os apreende da ótica dos valores fundamentais que cria. Contudo, não admitindo o dissenso, rejeita valores e opiniões que se desviem dos que criou. A melhor caracterização dese fato pode ser dada pela frase que caracteriza o chamado 'princípio do chefe': 'Não duvidar, não discutir, não divergir'. (...)
O "ethos burocrático" não se define apenas por seus aspectos exteriores: nas organizações em que predomina, o chefe dá as ordens e os subordinados obedecem. Mais do que a obediência às ordens emanadas de quem tem poder legal (ou regulamentar) para dá-las, importa ter presente o fato de que aquele que dá as ordens não se preocupa em saber se elas preenchem uma função aglutinadora na relação de forças em presença; se são obedecidas porque se acredita nelas e no fim que se vislumbra estarem elas perseguindo, ou porque se teme uma sanção disciplinar.
(...) A organização política distingue-se da burocrática nisso que, naquela, as decisões são adotadas por um núcleo dirigente que deriva a legitimidade de sua dominação (portanto a expectativa de ver obedecidas suas decisões) do fato de haver sido eleito pelos membros aderentes, enquanto nesta a dominação se legitima pelo fato de o núcleo dirigente ter assumido tal função não por eleição, mas pelo preenchimento de uma série de requisitos estipulados administrativamente. (...) na organização burocrática, cujo modelo é exatamente a organização militar, obedeço àqueles a quem os regulamentos designaram como superiores por corresponderem à imagem de chefe inscrita nos regulamentos e por terem preenchido as condições regulamentares para a ascensão aos postos de comando. (...) Na organização burocrática (...) a dissidência é impossível - pois, se a dominação se exerce por imposição de normas administrativas, o ato de discordar da política do núcleo dirigente implica negar validade aos próprios critérios que permitiram aos indivíduos de cuja ação se discorda chegar às posições de poder que ocupam. É quebra da hierarquia e da disciplina; é insubordinação - e nos casos extremos, traição.
FERREIRA, Oliveiros S. in: Revista USP nº 65, ps. 37-38.
O "ethos burocrático" não se define apenas por seus aspectos exteriores: nas organizações em que predomina, o chefe dá as ordens e os subordinados obedecem. Mais do que a obediência às ordens emanadas de quem tem poder legal (ou regulamentar) para dá-las, importa ter presente o fato de que aquele que dá as ordens não se preocupa em saber se elas preenchem uma função aglutinadora na relação de forças em presença; se são obedecidas porque se acredita nelas e no fim que se vislumbra estarem elas perseguindo, ou porque se teme uma sanção disciplinar.
(...) A organização política distingue-se da burocrática nisso que, naquela, as decisões são adotadas por um núcleo dirigente que deriva a legitimidade de sua dominação (portanto a expectativa de ver obedecidas suas decisões) do fato de haver sido eleito pelos membros aderentes, enquanto nesta a dominação se legitima pelo fato de o núcleo dirigente ter assumido tal função não por eleição, mas pelo preenchimento de uma série de requisitos estipulados administrativamente. (...) na organização burocrática, cujo modelo é exatamente a organização militar, obedeço àqueles a quem os regulamentos designaram como superiores por corresponderem à imagem de chefe inscrita nos regulamentos e por terem preenchido as condições regulamentares para a ascensão aos postos de comando. (...) Na organização burocrática (...) a dissidência é impossível - pois, se a dominação se exerce por imposição de normas administrativas, o ato de discordar da política do núcleo dirigente implica negar validade aos próprios critérios que permitiram aos indivíduos de cuja ação se discorda chegar às posições de poder que ocupam. É quebra da hierarquia e da disciplina; é insubordinação - e nos casos extremos, traição.
FERREIRA, Oliveiros S. in: Revista USP nº 65, ps. 37-38.